Feitiço contra a feiticeira: novas moléculas no combate à vassoura-de-bruxa

Fungicidas contra a vassoura-de-bruxa estão em desenvolvimento...

Cientistas da Unicamp, USP, CNPEM e Universidade de Warwick no Reino Unido desenvolvem moléculas com potencial ação fungicida contra a maior praga do cacau nacional.

O desenvolvimento de uma molécula fungicida contra a vassoura-de-bruxa reuniu, sob a coordenação de Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, uma equipe interdisciplinar de cientistas dos Institutos de Biologia e Química da Unicamp, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade de Warwick no Reino Unido.

O trabalho, parte da tese “Desenvolvimento direcionado de inibidores da enzima mitocondrial Oxidase Alternativa (AOX) com ação antifúngica contra Moniliophthora perniciosa, fungo causador da vassoura-de-bruxa do cacaueiro” de Mario Ramos de Oliveira Barsottini é considerado um marco como prova de conceito e consolidação de uma equipe de cientistas brasileiros com know-how para produzir e avaliar novos químicos de interesse comercial. Os resultados, publicados na revista Pest Management Science em outubro de 2018, prometem uma nova fase para a cacauicultura nacional.

Mario Barsottini na defesa de sua tese no Instituto de Biologia, Unicamp, realizada em 18 de fevereiro de 2019. Crédito imagem: Fellipe Mello.

A vassoura-de-bruxa causa prejuízos ao cacau nacional desde 1989 (leia mais, abaixo). Sem formas de erradicar a doença, os cacauais sentem, ainda hoje, o feitiço da vassoura-de-bruxa: cada dia menos produtivos e competitivos frente às plantações da África e Ásia.

“Os fungicidas mais usados contra fungos atacam geralmente a respiração ou a estabilidade da membrana celular. Os que atacam a respiração, não funcionam contra a vassoura-de-bruxa. Já os que atacam a membrana celular, funcionam em laboratório, mas não no campo, de acordo com os produtores”, explica Mario Barsottini, primeiro autor do artigo.

O alvo das novas moléculas é a inibição de uma enzima muito peculiar do fungo, a oxidase alternativa (AOX). “A AOX confere a vassoura-de-bruxa resistência a fungicidas na primeira fase da infecção”, conta Barsottini. “Nossa hipótese era de que inibindo essa via a gente conseguiria matar o fungo. Mas achar uma molécula capaz de inativar AOX é como montar um quebra-cabeça sem saber direito o formato das peças”, acrescenta. 

O grupo descreveu essa enzima e seu papel na sobrevivência do fungo em artigo publicado na revista New Phytologist em 2012. “Observamos que quando a respiração principal é bloqueada pela azoxistrobina, uma via alternativa da respiração mantém o fungo na fase biotrófica. Mas, quando combinamos essa droga com um inibidor da oxidase alternativa, o fungo cessa completamente seu crescimento”, contou Pereira na época à Agência FAPESP.

Na primeira fase da infecção, chamada biotrófica, o sistema de defesa da planta consegue bloquear a respiração do fungo. A AOX cria um atalho, que permite ao fungo manter suas funções vitais e resistir ao ataque. Após meses de manipulação da distribuição de nutrientes entre os vários tecidos vegetais, o fungo consegue energia suficiente para sofrer metamorfose e entrar na fase necrotrófica, quando multiplica rapidamente e mata o seu hospedeiro.

Folhas, ramos e frutos secos com cogumelos (basidiomata), facilitam a disseminação dos esporos pela plantação, que permanecem viáveis por meses antes que um novo ciclo de infecção recomece. Portanto, o controle químico do fungo deve ocorrer antes dessa transição.

O professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira (à esquerda), coordenador da pesquisa, e Mario Barsottini, primeiro autor do artigo, em estufa no Instituto de Biologia. Crédito imagem: Antoninho Perri.

Essa via alternativa da respiração não é exclusiva da vassoura-de-bruxa. O parasito humano Trypanosoma brucei, causador da doença do sono e transmitido pela mosca tsé-tsé, também utiliza essa artimanha.

“Fármacos usados para o controle dessa doença humana, como o ácido salicilhidroxâmico (SHAM) e galato de n-propila, são instáveis e pouco permeáveis às membranas do fungo”, comenta Silvana Rocco, pesquisadora do CNPEM, que participou do estudo.

Rocco desenvolveu novas moléculas a partir de derivados de N-fenilbenzamidas (NPD), uma droga mais fácil de sintetizar e alterar quimicamente. No artigo, Barsottini e colegas testaram 74 dessas moléculas e encontraram uma delas capaz de inibir a via alternativa da respiração e o crescimento do fungo modelo, Pichia pastoris. A molécula nomeada a NPD 7j-41 também foi eficiente contra a vassoura-de-bruxa; evitou a germinação dos esporos e o aparecimento dos sintomas em planta infectadas de tomate, em ensaios realizados em laboratório.

“A NPD 7j-41 nos ajuda a entender quais partes da molécula são mais importantes para estabilidade, permeabilidade na membrana e interação para inibição da AOX. Alterando a estrutura dela, nós podemos desenvolver um químico eficaz para matar o fungo, sem causar danos a planta ou ao meio ambiente”, explica Rocco. “Além das barreiras impostas pela célula do fungo, a nova molécula tem que vencer outros desafios até chegarmos a um fármaco com produção em escala industrial”, completa.

Silvana Rocco, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), durante análise dos novos químicos em espectrômetro de ressonância magnética. Crédito imagem: CNPEM.

“A classe das ascofuranonas usada no combate do T. brucei é promissora, mas difícil de sintetizar. Esses compostos são mil vezes mais potentes que os nossos derivados da NPD”, relata Barsottini. “Nós pretendemos usar o conhecimento adquirido e partir para compostos mais potentes. Queremos trazer o conhecimento da área médica para a agricultura”, finaliza. 

Multifatorial, doença chegou à Bahia em 1989

O fungo vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa) chegou à Bahia em 1989, quando a produção de cacau estava no auge. Plantas deformadas com folhas secas e frutos enegrecidos, sem boas amêndoas, prejudicaram a região cacaueira. Fatores climáticos, estruturais e conjunturais da cadeia produtiva ajudaram na disseminação da doença, que levou ao abandono de fazendas, êxodo rural e miséria.

Hoje, plantas tolerantes e manejo adequado da cultura permitem a convivência entre praga e atividade produtiva, que marca a identidade e a cultura do povo imortalizado nas obras de Jorge Amado. Mesmo assim, a produção vem caindo: de 390 mil toneladas na década de 1980 para 83,9 mil toneladas de amêndoas em 2017.

Muitos especialistas já preveem o colapso na produção mundial de chocolate, caso a doença se espalhe para outras regiões produtoras na África e Ásia. Há ainda outra ameaça, a introdução do fungo patogênico aparentado, a Moniliophthora roreri, que pode causar estragos ainda maiores. Sem agroquímicos eficientes disponíveis para o seu controle, a vassoura-de-bruxa permanece o maior desafio da cacauicultura nacional.

O estudo de Barsottini e colegas é o primeiro passo para o desenvolvimento de um fungicida para garantir a viabilidade dos produtores de cacau e manutenção de economias locais e dos serviços ambientais do cultivo cabruca, feito na sombra da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica.

Crédito imagem de capa: CNPEM.

O artigo citado nesta reportagem “Synthesis and testing of novel alternative oxidase (AOX) inhibitors with antifungal activity against Moniliophthora perniciosa (Stahel), the causal agent of witches’ broom disease of cocoa, and other phytopathogens” pode ser lido em: Pest Management Science (doi: 10.1002/ps.5243).

Conteúdo publicado na revista eletrônica Jornal da Unicamp, seção Biológicas, abril, 2019.


Camila Cunha

Engenheira agrônoma pela Universidade de São Paulo, doutora em genética e biologia molecular (genética e melhoramento vegetal) e especialista em jornalismo científico pela Universidade de Campinas. Atualmente é bolsista "Paulo Pinheiro de Andrade" no Instituto Weizmann de Ciências em Israel.

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