Louise Larissa May De Mio: o prazer de descobrir e questionar

Louise fala sobre a sua jornada na carreira científica e a importância de profissionais entusiasmados que ela encontrou no caminho...

No Planteia cientistas da área de ciências agrárias falam sobre influências, contribuições e desafios da carreira, além da adaptação a COVID-19. Neste mês, conversamos com Louise Larissa May De Mio, professora e pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para Louise fazer ciência depende de curiosidade e boas ideias. O prazer de descobrir e questionar foram apreendidos com mestres entusiasmados ainda na graduação. Hoje é ela quem inspira jovens cientistas.

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A curiosidade vinculada as boas ideias são elementos essenciais para a vida de cientista e podem ser potencializadas ao se trabalhar em equipes multidisciplinares, com experiências em diferentes áreas.

Louise Larissa May De Mio

O que a influenciou a seguir carreira científica?

Minha carreira acadêmica iniciou com pequenas curiosidades, ideias e pensamentos ao longo do período escolar. No curso de agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a professora Maria Lúcia R. Z. Costa Lima (in memoriam) ministrava as aulas de fitopatologia com muito entusiasmo e dedicação e isso me despertou o interesse pela área, que todos os meus colegas achavam complexa. 

A partir daí ingressei em estágios de pesquisa e desenvolvimento de ciência como uma forma nova de pensar. A iniciação científica na UFPR foi o primeiro passo. Na sequência, mestrado e doutorado na Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) e pós doutorado na Universidade da Califórnia Davis nos Estados Unidos. Durante o mestrado, o professor Dr. Hisoshi Kimati (in memoriam) me incentivou a desenvolver pensamento lógico com base na observação crítica e muita leitura de artigos científicos, o que também me proporcionou a base para entender aspectos da ciência aplicada. Nesta etapa eu já estava infectada pelo prazer de descobrir o novo e questionar tudo que se apresentava. O período de mestrado e doutorado que passei na ESALQ foi importante para o desenvolvimento da minha carreira de forma ética e aprofundada. Tive muita sorte de encontrar excelentes profissionais ao longo da minha jornada.

Qual a motivação que direciona o seu trabalho?

Sou professora na UFPR há mais de duas décadas e sempre que entro em uma sala de aula, da graduação ou da pós-graduação, vejo muitas possibilidades e universos a serem desvendados. Durante as aulas, muitas vezes, reconheço no brilho dos olhos dos alunos, aqueles que vão seguir carreira na mesma área que eu escolhi. Muito gratificante! Na pesquisa que desenvolvo com uma grande equipe de alunos, pós-graduandos, pesquisadores e produtores rurais ocorre o mesmo, a cada descoberta encontro uma nova motivação para continuar.

Quais as contribuições que você fez para a ciência?

No ensino, a formação de pessoas, profissionais bem qualificados e conscientes da importância do conhecimento adquirido. Pessoas que gostam do que fazem e realizam seu trabalho buscando novos desafios para a melhoria do agronegócio com base na ciência. Na graduação, leciono a parte básica dos fundamentos da fitopatologia e discuto o conteúdo relacionando-o ao manejo das doenças em plantas. Na pós-graduação atuo na área de epidemiologia e controle de doenças com foco no manejo integrado.

Na pesquisa, o desenvolvimento de conhecimentos em diferentes níveis, incluem desde técnicas para garantir sustentabilidade e alimentos seguros até estudos de básicos para explicar fenômenos biológicos que nos desafiam constantemente. Ao longo da minha carreira foram publicados alguns artigos e na maioria deles existe uma preocupação com a aplicabilidade do conhecimento para melhorar a vida dos produtores de alimentos. 

No início da carreira fui responsável pela implementação da produção integrada de algumas frutíferas de clima temperado no estado do Paraná, liderando e interagindo com um grupo grande de técnicos, pesquisadores e produtores. Desta etapa surgiram demandas de pesquisa ligadas a estratégias de controle de doenças para minimizar o uso de fungicidas químicos. Como resultado, foram propostas muitas alterações no manejo, considerando estudos epidemiológicos em campo, que hoje auxiliam produtores a produzir alimentos de forma mais ecológica. Também, estudamos de forma mais aprofundada patógenos (latentes ou quiescentes) em frutas que, muitas vezes, desenvolvem sintomas somente durante o processo de comercialização e, por isso, são importantes para o mercado de importação e exportação.

Além de estudos epidemiológicos, nos últimos 10 anos temos também monitorado a seleção de patógenos com resistência à fungicidas em frutíferas e em soja. Identificamos os mecanismos de ação e desenvolvemos estratégias de manejo para evitar que a eficiência de fungicidas no campo seja reduzida. Em paralelo, tenho uma linha de pesquisa com prospecção e desenvolvimento de produtos de origem biológica ou com base em óleos essenciais para controle de doenças em sistemas de produção orgânica ou para serem integrados ao manejo convencional.

Os trabalhos realizados pelo grupo são divulgados em teses, dissertações, artigos científicos, artigos técnicos, livros, manuais, palestras e treinamentos. Fazemos o possível para transformar a ciência produzida pela equipe para uma linguagem adequada, atendendo aos diferente públicos da sociedade.

Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?

Atingir o maior número de pessoas com as informações geradas e fazer pesquisa alinhada com as necessidades e participação da sociedade. Para isso, são necessários: financiamento para pesquisa de longo prazo, integração de dados coletados no laboratório e em experimentos de campo e desenvolvimento de pesquisas mais aplicadas. Estas pesquisas devem integrar pesquisadores de diferentes áreas e contar com apoio e discussões do setor produtivo.

O que mais a entusiasma na atividade de cientista?

A possibilidade de novas descobertas e as mudanças que podemos proporcionar ao integrar conhecimento, experiência e inovação. A curiosidade vinculada as boas ideias são elementos essenciais para vida de cientista e podem ser potencializadas ao se trabalhar com equipes multidisciplinares, com experiências em diferentes áreas.

Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?

Sim, que sempre busquem desafios e objetivos para facilitar a vidas das pessoas, trabalhem de forma colaborativa em equipe, integrando avanços tecnológicos com ambiente sustentável. Não se acomodem e não se limitem em situações de dificuldades. Em frente, avançando sempre! Além disso, repassem o conhecimento adquirido, trocando, incentivando e valorizando boas ideias.

Como está o andamento das pesquisas em meio a pandemia da COVID-19? Quais os desafios e as estratégias adotadas para superá-los?

A pandemia da COVID-19 nos impôs um desafio enorme de reorganizar metas e trabalhos em andamento. Temos um grupo de pesquisa chamado “LEMID – Laboratório de Epidemiologia para Manejo Integrado de Doenças” de plantas e nos organizamos em reuniões semanais ou quinzenais para acompanhamento dos trabalhos de cada pós-graduando. Nas reuniões decidimos priorizar o uso dos laboratórios para os trabalhos que não puderam ser interrompidos, em especial aqueles com patógenos biotróficos que precisam ser mantidos em planta, pois não podem ser cultivados in vitro, como o agente causal da ferrugem asiática da soja. 

Experimentos em campo continuam sendo realizados, por exemplo: na cultura da videira, estamos quantificando danos de doenças e prospectando agentes biológicos para controle; na macieira e na ameixeira estão sendo realizados estudos epidemiológicos em campo. Alguns dados precisam ser coletados para evitar interrupção nas pesquisas planejadas a longo prazo. Além desses trabalhos, temos acompanhado populações de patógenos ao longo das safras, para monitorar resistência à fungicidas. Essas pesquisas estão sendo conduzidas com o devido cuidado e com ajuda de produtores rurais e fruticultores parceiros.

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Os alunos de pós-graduação, graduação, iniciação científica e tecnológica têm autorização para entrar no laboratório e continuar as pesquisas, desde que tomados todos os cuidados preconizados para evitar o contágio. Estamos em turnos de trabalho com no máximo dois alunos por dia no laboratório.

No restante, todos estão trabalhando remotamente na compilação de dados já coletados, análises de dados e leitura de artigos científicos. Alguns alunos em fase mais adiantada da pesquisa, assim como os pós-doutorandos, estão escrevendo artigos científicos ou corrigindo os que estão em trâmite nas revistas. Fazemos, para isso, reuniões periódicas envolvendo pesquisadores parceiros de outras instituições no Brasil e no mundo. Atualmente, tenho na equipe uma aluna em programa de doutorado sanduíche nos Estados Unidos. 

Estamos também elaborando um livro sobre análises epidemiológicas aplicadas para doenças de plantas em conjunto com pesquisadores da área da estatística da UFPR. Esse trabalho estará disponível em plataformas online de acesso livre. 

Enfim, não está fácil lidar com esta situação que assola o mundo, mas com todo esse planejamento estamos nos mantendo conectados e ajudando uns aos outros. A pesquisa científica é a grande esperança para superarmos este desafio.

Sobre a cientista convidada

Louise Larissa May De Mio é engenheira agrônoma pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e fez mestrado e doutorado em fitopatologia pela Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). O pós-doutorado em epidemiologia e manejo de doenças de plantas foi realizado na Califórnia nos Estados Unidos. Hoje é professora na UFPR e faz pesquisas multidisciplinares com foco na aplicação do conhecimento no agronegócio, entre as linhas de pesquisa destaca-se a elaboração de novas formas de cultivar frutíferas e leguminosas sem ou com reduzido uso de agroquímicos; acompanhamento da evolução da resistência de pragas e doenças no campo aos químicos em uso; e desenvolvimento de químicos para combate de pragas e doenças menos poluentes ao meio ambiente e que possam ser usados no cultivo de alimentos orgânicos, por exemplo.

Já escreveu mais de 160 artigos em jornais científicos arbitrados, além de 26 livros e capítulos de livros de editoras nacionais e internacionais. Orientou mais de 140 alunos, entre iniciação científica, treinamento técnico, trabalho de conclusão de curso, especialização, pós-graduandos (mestrandos e doutorandos) e pós-doutorandos. Atualmente é professora no programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal, na área de Fitopatologia, e coordena os laboratórios “LEMID – Laboratório de Epidemiologia para Manejo Integrado de Doenças” e “LAEM – Laboratório de Epidemiologia Molecular”.


Camila Cunha

Engenheira agrônoma pela Universidade de São Paulo, doutora em genética e biologia molecular (genética e melhoramento vegetal) e especialista em jornalismo científico pela Universidade de Campinas. Atualmente é bolsista "Paulo Pinheiro de Andrade" no Instituto Weizmann de Ciências em Israel.

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