Arminda Carvalho: no solo há solução para a crise climática

Arminda Carvalho fala sobre a carreira de cientista e sua pesquisa em práticas de manejo do solo...

Todo mês no Planteia, perguntamos para cientistas da área de ciências agrárias sobre influências, contribuições e desafios da carreira. Neste mês, conversamos com Arminda Moreira de Carvalho, pesquisadora da Embrapa Cerrados.

comica1578111594169

Adotar a carreira [de cientista] acreditando firmemente que educação, ciência e tecnologia são pontos-chave ou a base para o desenvolvimento de qualquer nação, considerando a justiça e a equidade social

Arminda Carvalho
O que a influenciou a seguir carreira científica?

Desde muito cedo, já na infância, eu tinha uma forte preferência pela leitura, muito gosto pelos estudos e forte atração por experiências com a natureza, que foram se acentuando durante minha graduação em Agronomia. Já no primeiro ano iniciei estágio na Embrapa Arroz e Feijão (GO), na área de Ciência do Solo, que se estendeu durante toda a graduação, como bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Depois de concluído o curso de Engenharia Agronômica continuei reforçando meu treinamento como bolsista de aperfeiçoamento do CNPq e depois mestrado na Esalq/USP, na área de Solos e Nutrição de Plantas. Fui aprovada em concurso público da Embrapa, ingressando no quadro dessa Empresa de Pesquisa Agropecuária no início de março de 1990. E minha carreira em pesquisa e desenvolvimento (P&D) se estende até hoje com total realização profissional.

Qual a motivação que direciona o seu trabalho?

A motivação é o gosto pela área de P&D na qual atuo desde que ingressei na Embrapa e a credibilidade e respeito atribuídos à referida Empresa. Sempre acreditei que a produção agropecuária ambiental, social e economicamente sustentável é o grande desafio do Setor Agropecuário e que na Embrapa somos capazes de contribuir significativamente para suprir essa demanda, tanto para o produtor rural como para a sociedade urbana.

Quais as contribuições que você fez para a ciência?

Gerar resultados e tecnologias relacionadas às práticas de manejo para agricultura conservacionista e visando à mitigação de gases de efeito estufa, sem perder de vistas que o agronegócio é a mola mestra do PIB brasileiro. Minhas principais linhas temáticas de atuação em P&D são: sistema plantio direto e plantas de cobertura, ciclagem de nutrientes, estoques de carbono e nitrogênio, gases de efeito estufa, mudanças climáticas globais e sistemas integrados e de intensificação sustentável.

Com a adoção das tecnologias geradas como produto dessas pesquisas, o  produtor se beneficia muito por meio do incremento de produtividade das culturas, pela redução da dependência externa por insumos, principalmente, dos fertilizantes nitrogenados, inseticidas, fungicidas, nematicidas e herbicidas. A redução na aplicação de fertilizantes nitrogenados se reflete não só em economia desse insumo, que é dependente do preço do petróleo, mas também em menores lixiviação de nitrato, emissões de óxido nitroso e volatilização de amônia, resultando em uma produção agrícola mais limpa pela menor intensidade de aplicações do fertilizante e dos pesticidas em geral.

Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?

São inúmeros desafios, incluindo conseguir financiamento e recursos financeiros para manter essas pesquisas na área agrícola e gerar dados atualizados, modernos e sem interrupção, com base em experimentos de longo prazo no campo, nas fazendas e nos laboratórios com qualidade e, sobretudo, com independência dos interesses comerciais. Esses são os maiores desafios.

O que mais a entusiasma na atividade de cientista?

Vencer esses desafios da produção agropecuária sustentável e das mudanças climáticas, além, da formação de recursos humanos (RH), atuando como orientadora e co-orientadora de alunos de graduação e pós-graduação.

Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?

Adotar a carreira acreditando firmemente que Educação, Ciência e Tecnologia são “pontos-chave” ou a base para o desenvolvimento de qualquer Nação, considerando a justiça e equidade social – como exemplo temos a Coréia do Sul. E com base nesse fato de tamanha relevância não se deixar vencer pelas dificuldades, principalmente de ordem financeira, mantendo sempre a determinação e investindo na sua formação profissional e acadêmica, desde graduação até pós-graduação (mestrado e doutorado), se possível com treinamentos no exterior, em países referências na área da sua especialização.

Sobre a cientista convidada

Arminda é agrônoma formada pela Universidade Federal de Goiás, fez doutorado em Ecologia na Universidade de Brasília e especialização pela Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA, Japão). Já escreveu mais de 50 artigos em jornais científicos arbitrados. Atualmente é uma das coordenadoras do Projeto “Rede dinâmica de gases do efeito estufa e balanço de carbono em sistemas de produção de grãos no Cerrado”.

Qual a relação da ciência dos solos, área de atuação da Arminda, com os mudanças climáticas? O solo é muito mais do que poeira e sujeira. Muito mais do que o chão onde pisamos ou onde construímos casas. A agricultura é realizada em pouco mais de 15 cm de profundidade de solo. Essa fina camada de rocha, minerais e matéria orgânica é o que mantém a vida no planeta e responde por 95% de toda a produção de alimentos. 

Boa parte da saúde do solo e da sua capacidade de produzir alimentos está na vida que ele contém, incluindo microrganismos (bactérias, arqueas e fungos), insetos e minhocas, por exemplo. Estima-se que em um grama de solo existam entre 4.000 a 50.000 espécies diferentes! Todos esses organismos dependem da presença de matéria orgânica. Infelizmente práticas agrícolas consolidadas, como a descompactação do solo feita com arado, reduzem drasticamente a quantidade desse importante componente do solo.

Quanto mais vida tiver um solo, maior será a quantidade de matéria orgânica e menos dióxido de carbono estará livre na atmosfera. Práticas agrícolas para conservação dos solos, como as citadas pela Arminda, como o plantio direto (em que palha e restos vegetais são mantidos na área depois da colheita) e uso de plantas de cobertura (durante a entressafra para manter o solo coberto e ao mesmo tempo reciclar nutrientes) ajudam a reduzir a erosão e aumentar o teor de matéria orgânica e mantêm a diversidade da vida do solo. Sistemas de plantio mais sustentáveis aumentam o produção de alimentos e melhoram indiretamente a qualidade do ar, da água e do clima do planeta.


Camila Cunha

Engenheira agrônoma pela Universidade de São Paulo, doutora em genética e biologia molecular (genética e melhoramento vegetal) e especialista em jornalismo científico pela Universidade de Campinas. Atualmente é bolsista "Paulo Pinheiro de Andrade" no Instituto Weizmann de Ciências em Israel.
3 Comentários
  • Avatar
    Helenice Gonçalves
    27 janeiro 2020 at 6:13 pm
    Comente

    Parabéns Dra. Arminda pelo excelente trabalho que desenvolve em prol da ciência brasileira, especialmente, enfocando a ciência do solo, agricultura e meio ambiente.

  • Avatar
    Sonia Maria Martins
    29 janeiro 2020 at 1:34 am
    Comente

    São profissionais, pesquisadores assim comprometidos e competentes que o Brasil necessita. Obrigada Dra. Arminda pela contribuição das suas pesquisas e atuação junto aos agrônomos e estudantes de agronomia na melhoria dos processos agronômicos e no resultado da melhor qualidade dos solos e, consequentemente, dos produtos que consumimos diariamente. Eu acompanhei mesmo de longe o seu sucesso profissional. Agradeço seu empenho e desempenho.

  • Avatar
    Giovana
    30 janeiro 2020 at 11:10 am
    Comente

    Arminda, você é um exemplo de pessoa e profissional a ser seguido. Parabéns!

  • Comente

    *

    *

    Continue lendo...