Betania Quirino: a bióloga dos organismos invisíveis

Betania Quirino fala sobre a carreira de cientista e sua pesquisa em metagenômica...

Todo mês no Planteia, perguntamos para cientistas da área de ciências agrárias sobre influências, contribuições e desafios da carreira. Para a estreia dessa coluna, conversamos com Betania Ferraz Quirino, pesquisadora da Embrapa Agroenergia. 

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A ciência, com seus métodos e critérios rigorosos e imparciais, é a maneira mais inteligente para entender a natureza e resolver problemas

Betania Quirino
O que a influenciou a seguir carreira científica?

Curiosidade. Desde criança eu ficava fascinada por documentários sobre ciência, que eu assistia na TV. Achava muito interessante aprender coisas diferentes. Quando eu tinha uns 10 anos, já sabia que queria ser bióloga. A biologia é absolutamente incrível e sempre me atraiu. Se nós pararmos para pensar, ela está em toda parte, da biosfera ao celular e molecular, mas minha primeira paixão com a biologia foi em um nível mais palpável para uma criança. Amava ver documentários sobre o mar, que está “debaixo do nosso nariz” e, ainda assim, é um mundo totalmente à parte, povoado por animais com adaptações incríveis. Também gostava de ver os equipamentos que os pesquisadores utilizavam nas expedições marinhas. O ser humano consegue construir ferramentas que nos auxiliam a explorar esses outros mundos. É a tecnologia que permite que ampliemos nossos horizontes. A tecnologia, criada com pesquisas em diversas áreas, é a expressão prática da inteligência humana.

Qual a motivação que direciona o seu trabalho?

Saber que ciência muda a nossa vida de maneira muito concreta. Ciência vale a pena, porque comprovadamente dá certo! Se hoje temos mais saúde é por que há vacinas desenvolvidas por cientistas. Se você hoje compra maçã, uma fruta originalmente mais adaptada ao clima temperado, com preços baixos no supermercado, é porque pesquisadores selecionaram variedades adaptadas às condições do nosso país. Estudos sobre fixação biológica de nitrogênio feitos no Brasil permitem ao país usar inoculantes bacterianos e com isto economizar cerca de 12 milhões de dólares anualmente com gastos em fertilizantes. Se o agronegócio brasileiro se destaca internacionalmente é por que estudos científicos permitiram o controle de doenças e o aumento de produtividade.

A ciência também pode dar contribuições estranhas. Um país pode vender créditos de carbono para outros países que não conseguem diminuir suas emissões de dióxido de carbono, um dos gases que agrava o efeito estufa. Para que essa troca possa se materializar, cientistas criaram uma calculadora para determinar a quantidade de emissão de gases nocivos à atmosfera. A ciência, com seus métodos e critérios rigorosos e imparciais, é a maneira mais inteligente para entender a natureza e resolver problemas. A maioria das conquistas científicas não terão aplicação imediata ou sairão em capas de revista, um bom exemplo é a descoberta do sistema CRISPR-Cas9, que permite a edição de genomas. A ciência acelera descobertas com aplicações práticas. Definitivamente não seria possível atingir o patamar de saúde, segurança alimentar e conforto que temos hoje sem ciência. Saber disto é o que me motiva a acordar de manhã e ir trabalhar e contribuir para esse grande empreendimento que é a ciência.

Quais as contribuições que você fez para a ciência?

Ao longo da minha carreira as contribuições foram várias e em áreas diferentes. As mais recentes são na área de descoberta de enzimas por abordagem metagenômica, valorizando a biodiversidade brasileira. A microbiologia está em constante evolução desde a década de 80, quando através de métodos de biologia molecular descobriu-se que a diversidade microbiana existente é bem maior que aquela conhecida. A diferença entre o que se conhecia até então e aquilo que existe na natureza se deve a dificuldades de cultivo de microrganismos em condições laboratoriais.

Uma revolução aconteceu na área com os métodos da metagenômica para estudar e utilizar a diversidade de microrganismos, mesmo quando não sabemos cultivá-los. Isto é feito através da extração do DNA da comunidade microbiana, que pode ser sequenciado ou ser clonado em vetores para que os genes presentes possam ser acessados. Assim, com esta tecnologia, até mesmo genes de microrganismos que ainda não foram descritos pela ciência podem ser estudados e utilizados com aplicações em biotecnologia. Como apenas cerca de 1 % dos microrganismos é cultivável por técnicas tradicionais de microbiologia, a metagenômica permite o acesso dos outros 99 % existentes.

No meu trabalho, tenho buscado genes de interesse biotecnológico, como aqueles que codificam enzimas capazes de degradar a biomassa vegetal e estão presentes em comunidades microbianas de biomas brasileiros. O Brasil é uma potência na produção de biomassa vegetal barata. A biomassa, por sua vez, pode ser desconstruída por enzimas para liberar os açúcares contidos nela. Estes açúcares podem ser convertidos em plástico, químicos diversos e biocombustível.

As enzimas que tenho estudado e para as quais tenho buscado aplicação industrial, são provenientes de microrganismos encontrados em ambientes como o rúmen de cabras da Caatinga e os solos da Amazônia e do Cerrado. A ideia é valorizar a biodiversidade microbiana nacional.

Além destas contribuições tecnológicas, me orgulho muito em ter coordenado a escrita de dois livros em português, Revolução dos Transgênicos (editora Interciência, 2008) e um livro de bioquímica experimental, Técnicas Laboratoriais em Bioquímica (editora Universa, 2006). Acho importante desmistificar a ciência, tornando-a mais acessível a todos. Ambos os livros foram escritos para alunos universitários, que têm papel importante como formadores de opinião na sociedade. Por fim, tive o grande prazer de fazer uma entrevista para o programa Conexão Ciência sobre Mulheres na Ciência, em que discuto o progresso já alcançado pelas mulheres e pontos que ainda precisamos trabalhar.

Conexão Ciência | Entrevista sobre Mulheres na Ciência com Betania Quirino
Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?

Primeiro, há os problemas de todo cientista. Cientista tem de ser persistente e dedicado. São muitos os desafios que enfrentamos no dia a dia no Brasil. Tem de ter disposição para enfrentar problemas como disponibilidade inconstante de recursos para projetos, burocracia para importar reagentes e consertar equipamentos e até mesmo lidar com atitudes anti-ciência de alguns segmentos, que são tão nocivas à sociedade. Sem ciência, andaremos para trás e isto é muito grave. Ciência é isenta e objetiva. Como disse antes, ciência funciona! A sociedade brasileira precisa conhecer mais o método científico e entender todo o progresso feito até hoje graças à aplicação do método científico. Em relação às mulheres especificamente, ainda somos poucas nos cargos mais altos e nas áreas das ciências exatas. Mas, temos conquistado muitos espaços.

O que mais a entusiasma na atividade de cientista?

A sorte de ser cientista neste momento histórico. A biologia como um todo tem realizado grandes avanços, uma verdadeira revolução. Em algumas poucas décadas, fomos capazes de conhecer a estrutura do DNA, manipulá-lo no laboratório, sequenciá-lo a baixo custo, descobrir uma infinidade de microrganismos não cultivados (inclusive o Domínio Archaea antes desconhecido) e desenvolver novas ferramentas para edição de genomas. Fico quase sem fôlego ao pensar em tudo isto… É absolutamente incrível e impossível alguém não se entusiasmar!

Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?

Aproveitem todas as oportunidades de passar um tempo fora do país se aperfeiçoando em uma instituição de reconhecida excelência. Trabalhar em outro país é importante tanto pelo conhecimento específico adquirido, como para ver como outros trabalham e conhecer de perto outras culturas. Existem várias oportunidades disponíveis, que vão da participação em congressos internacionais e pequenas capacitações a bolsas de doutorado sanduíche ou integrais no exterior. Esteja sempre disposta a aceitar novos desafios; não se acomode ou se contente com o que lhe é familiar. Outra coisa: aprenda bem inglês. Não adianta nacionalismo nesta questão. Para se manter atualizado há necessidade de se dominar o inglês, pois as publicações em periódicos de peso são todas em inglês. Esta é a língua internacional, gostando-se ou não. Além de ser capaz de ler, o pesquisador também tem de saber escrever em inglês para divulgar seu trabalho. E falar bem o inglês também traz enormes possibilidades de parcerias internacionais, o que é a cada dia mais importante. Ciência é um empreendimento complexo e colaborações são necessárias para se avançar mais rapidamente.

Sobre a cientista convidada

Betania é bióloga formada pela Universidade de Brasília e fez doutorado em Biologia Celular e Molecular na Universidade de Wisconsin – Madison nos EUA. Já escreveu mais de 40 artigos em jornais científicos arbitrados. Em 2017, esteve no Joint BioEnergy Institute (JBEI), que faz parte do Departamento de Energia dos EUA, desenvolvendo pesquisas sobre biocombustíveis e bioprodutos.

A área que Betania atua na ciência é chamada metagenômica. Através de sequências de DNA, ela busca genes que codificam enzimas em organismos microscópicos impossíveis de crescerem em condições artificiais, como as de um meio de cultura feito no laboratório. Esses organismos acabam invisíveis, porque sem isolá-los em placas de Petri fica difícil reconhecê-los morfologicamente.

Identificar organismos de biomas brasileiros, como a Caatinga, o Cerrado e a Floresta Amazônica, capazes de degradar biomassa está entre os principais objetivos de seus estudos. Microrganismos exóticos e desconhecidos podem ser a chave para solucionar problemas ambientais, hospitalares e industriais.


Camila Cunha

Engenheira agrônoma pela Universidade de São Paulo, doutora em genética e biologia molecular (genética e melhoramento vegetal) e especialista em jornalismo científico pela Universidade de Campinas. Atualmente é bolsista "Paulo Pinheiro de Andrade" no Instituto Weizmann de Ciências em Israel.

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