Danielle Scotton in loco: maturidade do cientista

Neste episódio bônus da série In loco, Angélica Franceschini conversa com Danielle Scotton, uma pesquisadora experiente, sobre sua trajetória científica e a pesquisa desenvolvida na iniciativa privada em parceria com a universidade pública.

“Estou há vinte anos no laboratório. Pessoas vêm e vão, você vê o crescimento delas e você fica”. Danielle Scotton trabalha no Laboratório de Melhoramento de Plantas (LAMP) no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, contratada pela empresa Agrocinco. Mesmo mantendo laços fortes com o mesmo laboratório ao longo dos anos, a cientista observa grandes mudanças em si mesma durante essa jornada.

Quando criança, Danielle não se via como bióloga, cientista ou pesquisadora. A universidade, entretanto, não lhe era um lugar estranho. Nascida e criada em Piracicaba e filha de um engenheiro civil funcionário da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ (Esalq), ela lembra de visitar a universidade quando criança, passear de bicicleta por lá, alimentar os patos e observar os bezerros. O Departamento de Zootecnia era aberto ao público, com a venda de leite e passeio pelos currais. Essa vivência de fazenda alimentou o imaginário de Danielle a ponto de ela se enxergar em alguma área da agronomia.

Após um ano de cursinho e testes vocacionais, ela entrou no curso de biologia da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) em 2000. O ano de número cabalístico marca o início da extensa trajetória científica no CENA e na Esalq. Em maio do mesmo ano, Danielle conseguiu um estágio e começou a trabalhar com cultura de tecidos in vitro, que consiste na multiplicação de plantas inteiras a partir de partes da planta ou conjunto de células em laboratório. A graduação e o estágio foram bem aproveitados, com participações em cursos, congressos e feiras.

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Em seu primeiro projeto de iniciação científica, Danielle estudou a tolerância à salinidade em bananeiras. Embora o foco principal fosse o projeto, a rotina no laboratório sempre trazia novidades à jovem estudante: “Você acaba se envolvendo com tudo o que tem no laboratório.”

Com seis meses para a formatura na graduação e com o encerramento da bolsa de iniciação científica, Danielle conseguiu uma nova bolsa de iniciação científica desta vez junto ao LAMP sob orientação do pesquisador Antonio Figueira na área de genética molecular. Ela auxiliava a pesquisa de um pós-doutorando que trabalhava com marcadores moleculares em uva. Embora Figueira fosse o orientador oficial, é prática comum que pós-doutorandos supervisionem os alunos de iniciação científica mais de perto.

Na imagem Danielle e Figueira entre plantas cultivadas in vitro.

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Com o diploma em mãos, Danielle acreditava que era hora de procurar um emprego. Com quase dois meses fora do laboratório, Figueira a contatou com uma oportunidade de treinamento técnico com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A bolsa, com duração de um ano, a trouxe de volta ao LAMP. Os estudos no laboratório se estenderam com o mestrado em transformação genética.

A nova mestre buscava um emprego, quando Figueira a encorajou a tentar um doutorado. O doutorado foi orientado pelo pesquisador Lázaro Peres da Esalq. A pesquisa envolvia transformação genética do tomateiro e do cacau e durante o projeto, segundo Danielle, “80% dos experimentos foram desenvolvidos em colaboração com o Figueira no LAMP e 20% no laboratório do Lázaro”.

Um doutorado é um projeto robusto e mais complexo, que leva tempo. Danielle ficou de 2008 a 2012 dedicada à pesquisa, período em que viu não só a evolução de suas habilidades técnico-científicas, mas também o amadurecimento no relacionamento com o orientador Figueira. Na graduação e até mesmo no mestrado existia uma reverência com o orientador, que por vezes dava lugar ao receio de ser impertinente. As conversas sobre o trabalho eram formais, solenes. A partir do doutorado, a relação tomou contornos de amizade e forte confiança. As conversas ficaram mais frequentes e os debates sobre os resultados de pesquisa mais fluidos.

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A cientista ganhou experiência e confiança nessa relação profissional. “Eu sei como me reportar. Muitas vezes eu não chego só com o problema. Eu chego com o problema e com a solução. É uma coisa que a gente aprende”. O cacau, cultura pelo qual Figueira é apaixonado, também estreitou os laços entre os pesquisadores.

Dias antes da defesa do doutorado, um membro de sua banca a aconselhou a se inscrever em uma vaga de pós-doutorado que se encaixaria perfeitamente em seus objetivos profissionais. Danielle concorreu à vaga, defendeu a tese em uma sexta-feira e logo na segunda foi informada que foi selecionada em primeiro lugar. Teria de se mudar para a Bahia, já que o programa era na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) em Ilhéus. O projeto de pós-doutorado envolvia a transformação genética de citros.

Seria a primeira vez que Danielle ficaria fora do lar que ela enxergava em Piracicaba, onde mora sua família e seu noivo à época, e no LAMP. Ela comenta como os piracicabanos admiram a Esalq e como é um orgulho dizer que estudou lá. Embora ela tenha sido muito bem recebida na Bahia e que lá a estrutura de trabalho fosse maravilhosa, ela ansiava por voltar e o fez após um ano e meio.

Com planos para outro projeto de pós-doutorado, amparada pelos professores Figueira e Lázaro, a ser desenvolvido no LAMP, Danielle estava pronta para voltar ao laboratório. Os planos mudaram a partir de uma banca de doutorado. Um membro da banca, fundador da Agrocinco, compartilhou com Figueira seu desejo em trabalhar com transformação de alho. Ele buscava uma cientista para integrar a equipe. Figueira indicou a Danielle, que foi contratada, ajudando a formar a parceria entre a empresa e a universidade.

Embora pouco se divulgue, parcerias entre empresas e universidades são comuns. Danielle é contratada pela Agrocinco, mas o local de trabalho é no LAMP. O processo é todo acordado entre as instituições envolvidas, a empresa paga os royalties para a universidade com os produtos comerciais gerados. Danielle usa a infraestrutura do laboratório na sua rotina de trabalho e também participa ativamente na formação de jovens cientistas. As duas partes ganham com a parceria.

A Agrocinco é uma empresa visionária por investir em pesquisa e por pensar a longo prazo. Muitas vezes nas empresas tradicionais o processo de pesquisa e inovação é mais rígido e lento em comparação com o meio acadêmico, onde a circulação de novas ideias acontece em função da entrada e saída de cientistas em diferentes etapas de formação, parcerias internacionais e condução de pesquisa básica. Quando o poder de financiamento das pesquisas de uma empresa privada se alia à capacidade de investigação acadêmica, o processo de inovação se torna mais eficiente e rápido.

Há seis anos trabalhando na Agrocinco e há 20 anos desenvolvendo ciência no LAMP, Danielle transformou-se de orientanda a orientadora. A nova posição implica olhar as fases iniciais de sua formação com outros olhos e imprimir as lições de seus mestres ao orientar os novos estagiários e alunos sob sua tutela.

A paixão pela área levou a Danielle para a especialização em transformação genética de plantas. Nem todos os pesquisadores têm a sorte em se encontrar em uma área logo de cara. Às vezes é necessário se aventurar em diferentes áreas.

Danielle tem muita satisfação em ver os projetos propostos por ela se concretizando na Agrocinco. Ainda assim, ela almeja novos desafios profissionais e o desenvolvimento de novas habilidades, seja na Agrocinco ou em outra empresa. Enquanto ela segue focada em suas metas, a cientista auxilia outros pesquisadores, colegas e amigos para que eles cresçam e brilhem na ciência assim como ela. Danielle é porto e navio em alto mar.

Continue explorando! Veja a história de outros jovens cientistas com quem conversei.

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Créditos

Entrevista e roteiro original de Angélica Franceschini

Escrito por Angélica Franchescini e Camila Cunha

Câmera, direção e produção de Camila Cunha

Fotografia e edição de vídeo/imagem por Angélica Franceschini

Supervisão de Germana Barata, Gonçalo Pereira, Antonio Figueira

Participação de Luan Beschtold, Jennifer Wellen, Fellipe Mello e Danielle Scotton

Locações no Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE), Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e externas na Praça da Paz e Ciclo Básico na cidade universitária “Zeferino Vaz”, município de Campinas, São Paulo

Entrevistas e filmagens entre maio e outubro de 2019.

Com agradecimento ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais (GGTE/Unicamp) e Júnior Paixão

Apoio da Fapesp – Programa Mídia Ciência (2018/17906-6 para CC; e 2019/07344-3 para AF)

CC BY-ND

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