Jennifer Wellen in loco: experimentos e experiências
Neste episódio da série In loco, Angélica Franceschini conversa com Jennifer Wellen sobre os primeiros anos de universidade e a iniciação científica.
Essa aqui é a Jennifer!
Com um copo do homem aranha e a camiseta estampada com Rachel e Ross, de Friends, é fácil perceber que a Jennifer Wellen é apaixonada por cultura pop. Com o interesse em comum pelo cinema e audiovisual, nossas conversas para essa entrevista sobre vida acadêmica e ciência acabaram invariavelmente em verdadeiras sessões de análise dos últimos lançamentos.
Na adolescência, ela relembra a preferência pelas histórias de mistério e detetive, dos romances de Agatha Christie aos contos de Edgar Allan Poe, além de teorias freudianas e neurociência descritos em documentários e leituras diversas. A cada novo interesse descortinavam-se possibilidades de profissões para o futuro. O incentivo dos pais para dedicar-se aos estudos e a paixão pela leitura e pelos programas da TV Cultura foram também importantes para o gosto precoce pelas ciências.
Estudante de escola pública, com apoio da família optou pelo ensino médio técnico, realizado na Escola Técnica Estadual ‘Conselheiro Antonio Prado’ (Etecap) em Campinas. O curso técnico escolhido foi química e após os três anos de ensino médio, Jennifer se formou com dois diplomas. Ela passava o dia todo na escola e chegou a cursar 19 matérias em um único semestre. Essa rotina ajudou a prepará-la para a alta carga de estudos na universidade.
O interesse em assuntos dos mais variados e a dificuldade em direcionar-se para algo único e específico fez a escolha pelo curso de graduação difícil. Por horas, se via indecisa. Medicina e psicologia passaram pela cabeça em um momento ou outro, mas a genética era algo transversal a essas temáticas. Como uma pequena modificação em um cromossomo pode mudar por completo a vida de uma pessoa? A questão era fascinante. A decisão final foi pelo curso de Ciências Biológicas. A Biologia juntava o melhor dos mundos: a medicina, a psicologia e a química.
Aos 21 anos, ela cursa o terceiro ano de graduação em Ciências Biológicas na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Nos primeiros anos do curso, enquanto os futuros biólogos estavam atraídos por zoologia – o estudo de animais vertebrados e invertebrados – Jennifer se interessava mais e mais pela genética molecular. Logo no primeiro ano, uma disciplina obrigatória seria fundamental para uma melhor compreensão sobre a área da “genética”.
Durante duas horas por semana, a disciplina Genética I, lecionada pelo professor Gonçalo Pereira, tomava o Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE) como sala de aula. Entre bancadas, instrumentos científicos e cientistas de jalecos brancos, o tema criava contornos ainda mais enigmáticos. Os jovens assistentes de classe, que auxiliavam o professor, Guilherme Borelli (o Fox) e o Matheus Fiamenghi davam mais vivacidade ao tema e foram fundamentais para estimular e direcionar os estudos para as provas.
No final da disciplina, os jovens assistentes convidaram os alunos interessados em conhecer melhor o LGE por uma semana durante as férias de janeiro. O objetivo era debruçar sobre as linhas de pesquisa do laboratório e realizar pequenos experimentos. O Fox preparou um cronograma de atividades, que incluía ainda a leitura de artigos científicos. Ali, a Jennifer seguia sua caminhada pela ciência.
Ao final da semana, o convite se estendeu para realização de estágios de iniciação científica. A oportunidade era remunerada com uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para auxiliar o projeto de pós-doutorado do pesquisador Eduardo Camargo (o Zezé) e exigia diploma de conclusão de um curso técnico em área correlata. Jennifer concorreu à vaga e, bem sucedida, se viu trabalhando com engenharia genética de cana-de-açúcar. Nos quase dois anos de iniciação científica, Jennifer aprendeu novas técnicas e ampliou seu olhar sobre a genética molecular e suas aplicações, muito além da compreensão de doenças e características humanas.
2018 foi um ano agitado. Fox criou a Foxes, uma startup de biologia molecular com apoio da Agência de Inovação Inova da Unicamp, incubada no LGE. Contratada como uma das primeiras funcionárias, Jennifer acompanhou a instalação e as primeiras atividades da startup, prospectando clientes e realizando análises químicas e biológicas já muito treinadas no curso técnico e, depois, no estágio. A familiaridade com os procedimentos e a confiança depositada por Fox no seu trabalho foram preponderantes para a sua contratação. Trabalhar em uma empresa deu novos contornos ao trabalho de cientista.
A conversa com a Jennifer sobre a sua trajetória acadêmica aconteceu no LGE e era por vezes interrompida pelos passos da técnica de biologia molecular, que ela escolheu me mostrar: a eletroforese em gel de agarose. O nome da técnica é curioso para quem não tem ideia do que é eletroforese ou agarose. A forma desenvolta como ela separou os químicos e vidrarias e limpou um espaço na bancada indicava uma atividade rotineira.
A eletroforese usa cargas elétricas para separar moléculas. Se a molécula é negativa, como o DNA, por exemplo, ela vai querer se distanciar ao máximo do polo negativo, migrando em direção ao polo positivo. O interessante é que o gel cria uma barreira física a essa fuga, facilitando ao final do processo a identificação de moléculas de tamanhos diferentes. A agarose é o ingrediente do gel que, além de endurecer em temperatura ambiente, diferente de uma gelatina comum, é muito pura, sem contaminantes que possam interferir com a migração das moléculas.
Fui a encarregada de depositar o pozinho branco da agarose em uma balança analítica, exatamente 1,6 g. Jennifer adicionava a agarose junto à água em um erlenmeyer e agitava a solução com cautela e foco. O próximo passo envolvia derreter a mistura em um microondas.
Para exemplificar as aplicações da técnica, Jennifer criava situações-problema:
– Tivemos sucesso com a inserção de um fragmento de DNA da cana-de-açúcar em um plasmídeo de bactéria? Sim, confirmamos isso com a eletroforese, observando o padrão de fragmentos do DNA no gel!
– Será que minha digestão do plasmídeo funcionou? Será que eu realmente consegui quebrá-lo em vários pedacinhos? Ah! Vamos ver o resultado da eletroforese.
Os jargões e termos técnicos lançados de forma corriqueira me lembravam como diferentes áreas da ciência se desvelam em universos únicos e ricos.
Fazer ciência é dominar uma nova língua! A ciência parece e às vezes é mesmo intangível para leigos, “estranhos” da ciência. Dominá-la requer anos de estudo, há uma linguagem própria de cada área, um rol de técnicas e habilidades muito específicos.
Enquanto alguns equipamentos de laboratório nos parecem excêntricos, eu observava Jennifer abrindo e fechando a porta de um microondas similar ao que eu tenho em casa. A solução era vigiada para evitar o borbulhamento e perda de água por vapor, o que afetaria a concentração final do gel. A cada 45 segundos o microondas era parado e a solução agitada, nenhum cristal de agarose deveria permanecer no fundo do frasco.
Derretido e homogeneizado, a Jennifer derramou delicadamente o gel em consistência de geleia em uma forma. O gel sólido fica estriado e com uma coloração de um branco leitoso. De um lado se coloca um pente, que ao ser retirado cria buraquinhos (ou canaletas) que permitirão a colocação das moléculas de interesse em suspensão líquida para começar a corrida em direção ao polo positivo.
Todo o cuidado é necessário para remover o pente quando o gel está sólido, os buraquinhos precisam se manter íntegros.
As amostras com as moléculas de interesse são colocadas nos buraquinhos com ajuda de uma micropipeta, já que os volumes são muito pequenos. Todo o gel leva ainda um ladder (que em inglês significa escada), uma mistura de moléculas de tamanhos conhecidos que ao final da corrida vão ajudar o pesquisador a determinar o tamanho da molécula de interesse. O ladder é uma referência, uma régua.
O gel pronto é mergulhado em uma solução tampão cheia de sais que permite a transmissão de eletricidade e reduz a interferência na migração das moléculas, seja pelo pH, contaminantes, etc. As amostras são prontamente pipetadas, cada uma em uma canaleta.
– Confesso que a etapa de pipetar as pequenas amostras coloridas nas delicadas lacunas do gel parece ser divertida.
De um lado conecta-se o cabo da carga positiva (vermelho), de outra a negativa (preto). A voltagem é acertada na fonte de alimentação, o interruptor do aparelho é então acionado. Jennifer alerta para os perigos de choque em caso de contato com a água. É dada a largada! Começa a corrida!
As moléculas em suspensão líquida recebem um corante azulado que ajuda a determinar onde no gel estão as moléculas menores. Quanto maiores as moléculas, mais lenta é a corrida; quanto menores, mais rápida. A velocidade da fuga é afetada pela concentração do gel! Embora seja uma corrida, a amostra toma seu tempo natural. Lentamente, o corante azul seguia o seu rumo.
O PCR, a técnica queridinha do Luan, o PCR boy, geralmente antecede uma eletroforese. Como a reação em cadeia da polimerase é uma copiadora voraz de um fragmento de DNA de tamanho determinado, a eletroforese entra como uma técnica de confirmação.
– Será que o fragmento amplificado e multiplicado à exaustão pela PCR está no tamanho correto? Será que é o fragmento que eu esperava? Só uma boa eletroforese dirá!
Terminada a corrida, o equipamento é desligado. O gel é removido e cuidadosamente posicionado em um equipamento para a visualização das bandas por luz ultravioleta. Cada banda no gel representa milhões de fragmentos de uma mesmo tamanho ou tamanhos similares que acabaram não sendo separados pela eletroforese.
O brometo de etídio adicionado ao tampão se instala entre a dupla fita de DNA, preso ali emite luz quando excitado pela luz ultravioleta. Assim é possível saber onde no gel estão as bandas referente ao fragmento de interesse. Com o software ‘Image Lab’ a Jennifer bate uma foto da imagem, que será impressa e colada depois no caderno de laboratório, onde ela mantém de forma rigorosa a anotação de todos os procedimentos realizados no dia.
A biologia molecular depende de muita imaginação. Um fragmento de DNA minúsculo, retirado de um pedaço dos cromossomos no núcleo das células, precisa ser manipulado para tornar-se visível ao olho nu, pelo menos indiretamente. Para comprovar a existência de várias cópias idênticas de um fragmento, eles precisam ser corados e submetidos à separação por eletroforese para ter comprovada a sua existência.
A maior parte do trabalho em biologia molecular é feita com líquidos transparentes, transferidos de um frasco para o outro, misturando-se ingredientes e realizando reação químicas visíveis apenas através de equipamentos. O trabalho é muitas vezes entediante, principalmente quando repetido inúmeras vezes quando os resultados não são bem sucedidos.
Jennifer acompanhou muitos dos seus colegas de estágio, que entraram e saíram do LGE, frustrados porque os procedimentos e técnicas pareciam muito abstratos. Para ela, o desenho, praticado como hobby, foi uma forma de construir sentido na biologia molecular através de uma criação e entendimento imagético. Durante o técnico em química, ela desenhava moléculas e, durante a graduação em biologia, células e organelas eram reproduzidas em detalhes. Com isso, Jennifer assumiu um certo domínio em relação ao seu objeto de estudo.
Folheando os cadernos de desenhos da Jennifer, além dos tubos de ensaio e das moléculas, destacam-se as figuras humanas. São retratos de familiares, amigos queridos e cientistas famosos, muitas vezes com traços de caricatura. Jennifer relata o interesse pelas mulheres na ciência, que aparecem em ilustrações caprichadas.
No ensino médio, ela participou do coletivo feminista ‘Marie Curie’, batizado em nome da primeira cientista mulher a ganhar um prêmio Nobel. O coletivo conectava ciência e feminismo; as meninas da turma discutiam semanalmente temas como mulheres na ciência e empoderamento feminino, além de se apoiarem ao relatar casos de abusos vivenciados por elas. Uma reunião mensal com os meninos também ajudava nos debates, dando espaço para que eles pudessem conversar e sanar dúvidas.
O estágio de iniciação científica e o trabalho em uma startup foram essenciais para desmistificar a vida de cientista. Executar experimentos, analisar dados e escrever relatórios fazem parte da cultura científica que ela experimentou como bolsista. Entender melhor como viver e manter-se com uma bolsa em um período de vigência curto também foi um grande aprendizado para as etapas futuras – o mestrado e o doutorado.
Viver de ciência exige dedicação a elaboração de projetos para garantir um financiamento constante para a execução do projeto de pesquisa e para a manutenção pessoal. Mesmo com experiências tão diversas, a maturidade e o empenho demonstrados pela Jennifer impressionam. Apesar do caminho a frente ser longo e incerto, as possibilidades são infinitas…
Bônus #1: A Jennifer conta sobre a experiência de realizar iniciação científica logo no início da graduação e o processo de amadurecimento científico.
Bônus #2: A Jennifer conta sobre uma professora que marcou a sua trajetória e pensamento crítico.
Qual professor(a) marcou a sua vida escolar?
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Créditos
Entrevista e roteiro original de Angélica Franceschini
Escrito por Angélica Franchescini e Camila Cunha
Câmera, direção e produção de Camila Cunha
Fotografia e edição de vídeo/imagem por Angélica Franceschini
Supervisão de Germana Barata, Gonçalo Pereira, Antonio Figueira
Participação de Luan Beschtold, Jennifer Wellen, Fellipe Mello e Danielle Scotton
Locações no Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE), Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e externas na Praça da Paz e Ciclo Básico na cidade universitária “Zeferino Vaz”, município de Campinas, São Paulo
Entrevistas e filmagens entre maio e outubro de 2019.
Com agradecimento ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais (GGTE/Unicamp) e Júnior Paixão
Apoio da Fapesp – Programa Mídia Ciência (2018/17906-6 para CC; e 2019/07344-3 para AF)
CC BY-ND
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